Antes de o ser…

Sopa de Tomate com pão Alentejano no Martinho em Évora. Foto de Carlos Alberto Augusto

Terão passado por lá outros povos e dessa passagem escasseiam os registos. Só agora começamos a perceber o que se passou então. Mas é certo que os Romanos deixaram em Ebora Liberitas Iulia traços visíveis da sua passagem: o fórum, o templo, as termas, o teatro. Todos conhecem o Templo Romano, a que alguns chamam templo de Diana. Depois vieram os mouros, que em Yabura conviviam com outras culturas, até que o cerco cristão começou a apertar, sob o comando de Geraldo Geraldes, o sem-pavor, que veio por ai abaixo fazer “da mesquita Sé.”

Na mesma Sé onde mais tarde a traição da Abadessa foi castigada pela turba em fúria. Depois da exposição pública das suas partes pudibundas e de uma valente cutilada no toutiço, veio a  exposição do cadáver pelas ruas da cidade. Acalmadas as hostes, em tempo de renascimentos, Évora tornou-se um importante centro do conhecimento e das artes. Foi a universidade, a escola polifónica da Sé, as tertúlias abrilhantadas pelas altas figuras da aristocracia e apadrinhadas pela presença do Rei, que assim fazia de Évora a sua capital. O brilho durou pouco, porém. Logo veio a Inquisição para substituir o fogo do saber pelo fogo dos autos de fé. A reacção às labaredas veio com as altercações de Évora e os manifestos do Manuelinho. Quando os ânimos pareciam finalmente serenar, logo vieram os franceses de baionetas em riste e foi tudo novamente arrasado, de pouco servindo as palavras de Frei Manuel do Cenáculo que lamentava os estilhaços e os pedaços de pedra caídos pela onda de destruição que os enfants de la patrie por cá provocaram. Dos conventos de Évora não ficou pedra sobre pedra.

“Queijadas de Évora, pão de ló de amêndoas, Alfitetes de Santa Clara, Encharcadas do convento, bolos do paraíso.... Foram-se as pedras, ficaram os doces. Atrás dos tempos vêm tempos, outros tempos hão de vir; e cada mais mais rápidos, mais velozes. O tempo não chega já no dorso de um ginete, nem vem de carruagem, mas vem de fugida sobre os carris.” Como escreveu Rita Taborda Duarte no texto da exposição do Centro Interpretativo da Cidade de Évora, de que me socorro aqui para compor estas primeiras palavras. 

Novos tempos, tempos de progresso, chegaram. E dos tempos tumultuosos e dos tempos de progresso ficaram coisas que vale a pena experimentar. E não são só os doces.

Em alguns lugares de Évora cultiva-se felizmente a sagrada cozinha alentejana —também por lá se sente o cheiro rançoso das batatas fritas e dos hambúrgueres, ao gosto das turbas em fúria que vêm “de fugida sobre os carris,” mas a gente desculpa… — e é um gosto por lá passar. 

Pequenas gemas, escondidas. Hei-de aqui falar de mais algumas dessas gemas.

Como este Restaurante Martinho da Arcada, ali meio escondido no meio das arcadas. No Martinho temos garantido poder desfrutar da mais rigorosa tradição, mas numa versão a que, apesar da ausência de pretensões, não falta uma certa nobreza que vem de tudo o que é verdadeiro. A açorda, a sopa de cação, as migas, a sopa de tomate são do melhor que comi. 

Évora é agora isto.

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