Marginália no livro de cozinha

Notas em livro de receitas. Foto de Luís Neves

Em todas as casas há livros de receitas. É nestes compêndios que ficamos a saber as quantidades e procedimentos, o que se mistura com o quê e quanto tempo, o ponto de cozedura, enfim, todos os detalhes do processo de confecção. 

Muitas gerações foram alimentadas segundo as receitas do Mestre Cozinheiro (Laura Santos), Doces e Cozinhados (Isalita), Cozinha Tradicional Portuguesa (Maria de Lourdes Modesto, Cozinha Trivial (Filipa Vacondeus, O Livro de  Pantagruel (Bertha Rosa Limpo, Maria Manuela Caetano e Jorge Brum do Canto), entre outras publicações. 

Mais recentemente chegou a avalancha de chefs e programas de televisão de formato internacional que sucederam à Teleculinária, apontamentos na tv com edição em revista nas bancas no tempo dos nossos pais. Não esquecendo o canal temático por cabo 24Kitchen, paraíso dos amantes do segmento e aspirantes a estrelas Michelin. 

A juntar à vasta bibliografia “oficial”, editada e com chancela de especialistas na área, temos os cadernos de receitas de família, escritos por várias mãos e tipos de letra, passados de geração em geração, quase sempre muito manuseados, com acrescentos e comentários às receitas. 

A prática de anotar opiniões e comentários nas margens dos livros, conhecida no meio académico como marginália, é muito comum nos livros de culinária, quer sejam cadernos caseiros quer edições profissionais.   

Experimentar uma receita e registar o resultado na margem da página pode evitar dissabores futuros ou relembrar que vale a pena. Ajuda também a fixar as alterações que fizemos à receita para memória futura. 

Assim descubro pela marginália que o meu prato favorito, Caldeirada de Lulas, na receita original é com batatas, mas na execução o pão torrado substituiu-as. 

Hoje, quando folheio os livros de receitas da casa dos meus pais, encontro na marginália preciosos conselhos escritos pela punho da minha mãe. Sigo à risca a opinião e dicas destas anotações e já me vou atrevendo a deixar também a marca da minha caligrafia e da minha experiência. Desde a conversa com Luísa Igreja, amiga que me despertou para o tema, olhei para o que sempre vi com outra atenção e tomei consciência da riqueza e utilidade desta prática.

Vamos procurar nos livros lá de casa os comentários de marginália? Partilhem connosco.

Deixo aqui alguns dos exemplos que encontrei:

Lulas recheadas com arroz “Muito bom mas com pouco arroz e talvez mais cebola no recheio e lula”

Arraia panada “Bom”

Lulas de caldeirada “Muito bom, em lugar das batatas, torrar pão para acompanhar”

Bacalhau assado no forno “Cozi batatas com pele e misturei-as no bacalhau”

Esparregado com creme “Muito bom mas com gemas. O Gastão prefere ao natural”

Biscoitos riquinhos “Muito bons. Levam um pouco de leite pois a massa fica um pouco seca. São bons para aperitivo. Caso contrário juntar um pouco mais de açúcar”

Manjar de príncipe “Não presta”

Bolo cambraia “Muito bom. Ovos à vontade. Açúcar metade do peso dos ovos. Farinha de batata - metade do peso do açúcar. A farinha vai depois das claras em castelo.   

Bolo moka “É muito bom, mas com um pouco de sal”

Pudim de arroz doce “Muito bom mas com o arroz doce da Lecas”

Pudim de amêndoa “Muito bom, mas com menos açúcar. Também pode ser feito em doce pois desmancha-se um bocadinho”

Bolo podre “Satisfaz” 

Pão de ló de alfeizerão “Não é bom”

Bolo da madre abadessa “Bom. Manteiga 50g”

Pão de ló de Soure “Muito bom (fica com molho)

Bolo de laranja “É muito bom, mas um pouco pequeno”

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