Ouro dentro de um copo
O vinho da Madeira é um mundo e para começar a conhecê-lo fui fazer uma prova para iniciantes.
O paladar educa-se, provando muito aprende-se. Há uma memória do sabor e do cheiro que permitem progredir e ter termo de comparação, associando a cada casta as características organoléticas.
Por agora, estava na estaca zero.
Rubina Vieira, técnica do Gabinete de Ações Educativas do Instituto do Vinho, Bordado e Artesanato da Madeira (IVBAM) foi a competente formadora. Integra uma equipa de duas pessoas habilitadas a fazer destas provas uma sessão de divulgação de um vinho que leva o nome da Ilha aos quatro cantos do mundo há muitos séculos. A par desta equipa,
espalhados pelos cinco continentes estão os chamados “Madeira Wine Educators”, especialistas em enologia e profissionais da área formados e certificados pelo IVBAM como embaixadores deste néctar. Neste momento são 69 e têm um papel fundamental na visibilidade do vinho da
Madeira e na defesa das qualidades daquele que é conhecido como “o melhor licoroso do mundo”.
Tal e qual como aprender a ler, inicio com o bê à bá.
A prova incluiu vinho fortificado licoroso (assim chamado por ter entre 17 e 22% de álcool e um mínimo de três anos) das quatro categorias, tendo em conta o grau de doçura. A saber, meio seco, seco, meio doce e doce, produzido pelas oito empresas que atualmente estão no mercado.
O desfile dos vinhos a provar é feito do mais seco ao mais doce, para que o palato possa perceber melhor a complexidade de matizes e aromas, e do mais novo para o mais velho. As castas presentes são Malvasia, Sercial (também conhecida por Esgana Cão por causa da acidez), Verdelho, Tinta-negra, Boal, Terrantez. A estas castas estão associados diferentes graus de doçura. Dado importante, a temperatura do vinho deve ser por volta dos 12-14 graus e depois de aberto é aconselhável guardá-lo no frigorífico e consumi-lo em poucos dias.
Entre um vinho e outro, vou conhecendo a história vinícola do arquipélago, relacionando clima, castas, processo de cultivo em poios - aprimorados ao longo de cinco séculos - e as características da produção. A Região Demarcada da Madeira e Porto Santo tem 408 hectares
e é um setor muito regularizado, com denominação de origem. protegida (DOP).
No Madeira, à uva fermentada é adicionada aguardente vínica a que se segue a estufagem, um processo que recria o ambiente dos porões dos barcos onde os vinhos de torna-viagem faziam o seu amadurecimento por longos meses, ou o sistema de canteiro. A estufagem é um meio artificial de aquecimento do vinho, atualmente de 90 dias de duração a uma temperatura máxima de 50 graus Celsius.
A evolução de um vinho na boca é uma descoberta quase tão empolgante como a de uma ilha deserta terá sido para os primeiros povoadores. Mesmo um seco tem sempre uma doçura na ponta da língua mas depois da salivação sobressaem toques de limão, caramelo e baunilha.
A prova retronasal (se estiverem em grupo não tenham a tentação de rir, apesar das carantonhas e sons guturais…) permite avaliar melhor o corpo do vinho (volume que ocupa na boca) e as diferentes subtilezas que perduram no palato. Diz-se que se as diferentes sensações perdurarem doze segundos, o vinho é persistente, uma característica que demonstra a sua qualidade e o valoriza.
O vinho pode ser de lote, quando mistura castas ou de casta quando é produzido apenas com uma variedade de uva. Mais de 80% da produção de Madeira é de Tinta Negra.
Ao terminar esta primeira prova, só sei que quero saber mais e para isso é preciso continuar a provar, quem sabe com a vossa companhia, seguindo as duas regras básicas aprendidas, do mais novo para o mais velho e do seco para o doce. Depois, é ir descobrindo a complexidade de aromas e tons de um vinho que muitos dizem ser “ouro dentro de um copo”.
A prova foi realizada no âmbito do festival SABOREA.
Nota: Os Gastronautas participaram no Festival Gastronómico Saborea Madeira a convite da Acif.
Sugestão musical: Mano a Mano, Trilogia das Sombras, O que não de vê