Cucina Povera
Cucina Povera é uma expressão italiana que significa comida feita com recursos escassos por pessoas com escassos recursos.
Esta cozinha usa sobretudo vegetais, leguminosas, frutos e cereais de produção local; minimizando as embalagem de plástico e com muito pouco processamento industrial.
Para os nossos antepassados, a carne era para ocasiões especiais. A comida animal, gordurosa e muito calórica era reservada para as pessoas mais, enfim, abastadas. Talvez explique a razão do ditado “Gordura é formosura” – os pobres eram magros. Hoje ser magro é o objetivo da maior parte das pessoas. Ironias do destino.
Por que estou a escrever sobre isso? Porque é um fenómeno que sempre me fascinou. Sempre gostei do lado ‘pobre’ da gastronomia talvez porque na infância vivi algum tempo no interior de Portugal onde se usava azeite para iluminar a casa e onde onde não existiam frigoríficos; só salgadeiras. Onde saía de manhã com o meu amigo Zézito e as suas cabras e passavamos o dia a andar e pescar. Onde em Agosto nos juntavamos todos para ajudar na ‘debulha’ do milho; onde em Janeiro, quando fazia frio, faziam a matança do porco e passavamos o dia a preparar as inúmeras e criativas soluções para o aproveitar; onde em Dezembro íamos apanhar azeitona no chão gelado e levar para o lagar onde os homens da aldeia se reuniam para beber vinho e provar o azeite novo; onde me lembro da prima Belmira a esticar com arte e engenho a massa para fazer ‘coscorões’; onde comíamos laranjas no Inverno; onde o padre Serra nos dava uma pernada da gingeira para a minha Mãe fazer doce de ginga; onde os ovos vinham das galinhas que viviam no galinheiro a céu aberto; onde íamos ao moleiro buscar a farinha acabada de moer com o trigo, milho e centeio que crescia na aldeia. Romantismo bucólico? Era mesmo assim.
A maior parte da nossa gastronomia tradicional é baseada nestes princípios: o pão feito em casa para durar semanas; o feijão e a couve; as migas; o aproveitamento integral do porco que vivia ao lado da casa; as sopas feitas com vegetais orgânicos colhidos na horta pela manhã; as culturas de sequeiro; a sazonalidade.
Notem que não estou a defender a pobreza como modo de vida; mas sim a tentar aprender com os bons hábitos dos nossos antepassados que faziam mais com menos e eram incrivelmente criativos no processo. E de certa forma a sugerir que podemos viver melhor consumindo menos.
Acredito também que o lado positivo de uma economia digital permite mais trocas ‘peer-to-peer’, isto é em que exista um contacto direto entre quem produz e consome, reduzindo a cadeia de distribuição e a multitude de embalagens e logística. Em que a produção e distribuição de comida será mais justa, equilibrada e menos ‘processada’.
Tudo isto de alguma forma, remete para os princípios da Cucina Povera, de certa forma um paradoxo, porque se trata de uma cozinha rica em criatividade e engenho; em sentido identitário e respeito pelo ambiente.
O projeto “Gastronauta” quer dar o seu contributo para ligar os vários intervenientes desta complexa e fascinante cadeia: sensibilizar e contribuir para mudar mentalidades; disponibilizar informação e ser um ponto de contacto para promover colaborações, parcerias e negócios.
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Nota: porquê ‘Cucina Povera’ e não ‘Cozinha Pobre’? Porque esta expressão já existe e é objeto de estudo académico e não-académico. Começou a ser estudada a propósito da gastronomia do Sul de Itália, mas aplica-se da mesma forma a qualquer outra cultura gastronómica de proximidade.
Penso também que podemos aprender muito com os nossos amigos italianos sobre valorizar e apreciar uma dieta mais vegetal.
Sugestão: Verde Milho, canção manifesto do grupo Diabo na Cruz, com referências à música popular portuguesa, sobretudo a Milho Verde, de Zeca Afonso. Letra e mais informação sobre Verde Milho.