O esplendor do Algarve 

Queijo de Figo da mãe da Isabel. Foto de Luís Neves

Lisboa, centro da cidade. Uma casa como outra qualquer, um terraço virado para o céu no bairro de Benfica. 

Cenário para jantar e viver o esplendor do Algarve, numa roda de amigos. 

A anfitriã traz da terra natal, deixada há muito, sabores e saberes. Se os nossos lugares estão connosco - mesmo longe - quando estamos na cozinha a partilha faz o milagre de espalhar e perpetuar a autenticidade da cultura gastronómica, em qualquer lugar do mundo. Vive e viverá enquanto fizermos o que vimos fazer.  

As memórias, os sabores, os ingredientes, o olfacto, a história local são tema de conversa a partir do tacho e do prato. 

Xerém e Queijo de Figo fizeram o esplendor desta noite e de muitas outras anteriores e posteriores. Cheiro e sabor têm lastro temporal, duram uma vida e fazem-nos lembrar o que de mais íntimo e feliz existe na nossa memória. 

Nos dois casos - Xerém e Queijo de Figo, a sofisticação está na simplicidade e nos ingredientes locais. 

Xerém de Berbigão da Ria de Alvor? Vamos a isso. Fácil muito fácil. Fatias grossas de toucinho curado num tacho ao lume, sem mais. O calor vai derretendo a gordura e quando o toucinho apresenta um tom de mel, está no ponto. A gordura daqui saída é usada em parte na cozedura da farinha de milho moída em mós artesanais de forma grosseira. Atenção, farinha industrial não serve. Depois entra o berbigão e a terminar folhas de coentros. 

Xerém de berbigão da Ria do Alvor feito pela Isabel e pela Dália. Foto de Luís Neves

A subtiliza e delicadeza do sabor contrasta com a intensidade dos pequenos pedaços de toucinho, por muitos  chamados de torresmos. 

Torresmo do Xerém. Foto de Luís Neves

Sabor a terra e mar nesta versão de Xerém do barlavento algarvio, apurada  pelas gerações da família da Isabel. Só provando se percebe como este exemplo de “cucina povera” podia estar na mais das requintadas cartas de genuínos prazeres gastronómicos saídos da experiência humana.

A conversa gira em torno da história sociológica do Algarve e a sua gente. A comida é mote, detonador e actriz principal de um território. Por trás de cada ingrediente - o berbigão da ria, a amêndoa e o figo, a aguardente de medronho, estão rostos e nomes, testemunhos algarvios de vida pessoal e coletiva.

Fecha este esplendor do Algarve o Queijo de Figo da mãe da Isabel. Figos secos e amêndoas torradas (provenientes das culturas de sequeiro da região de Estombar), açúcar e medronho de Monchique, mais uma pitada de cacau, tudo prensado sob a forma de pequeno queijo. Dura meses e envelhece bem, como o bom vinho. 

Satisfeitos, vai um brinde ao esplendor do Algarve, em Benfica. Com o medronho que sobrou do Queijo de Figo. À nossa, Isabel, Dália, Mário, Paulo, Luís…! E a todas as gerações que souberam esperar por nós.

Sugestão musical:

Brigada Victor Jara, Baile Mandado (Algarve)

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