Figos abençoados
É comum ver em Portugal árvores carregadas de fruta madura, sem que ninguém a apanhe. Nas estradas, caminhos, quintais e jardins de casas e até nas cidades. Reflexo de um abandono das práticas agrícolas ou desprezo por uma atividade recolectora. Compra-se limões no supermercado vindos de outros países e não se aproveita os que existem nas árvores perto de casa ou nos logradouros dos vizinhos.
Dá trabalho e não compensa apanhar fruta, se não não for uma produção com escala comercial. Perdeu-se o hábito. Em muito casos, as árvores têm dono e recolher a fruta seria roubo.
Estamos no tempo dos figos. Ao passar em frente a uma casa pertencente a uma diocese, reparei que no meio das ramagens de uma imponente Figueira, estava um homem pendurado a recolher frutos discretamente.
– “Esses figos são abençoados”, gritei-lhe cá de baixo sem parar de andar, em tom divertido.
– “São mesmo! Pode ter a certeza… ”, respondeu-me afirmativamente com boa disposição aceitando que tinha sido “apanhado”. . .
Saiu do interior da árvore com um saco cheio de frutos, agarrou-se à grade no cimo do muro e desceu com cuidado para fora da propriedade de uma altura considerável. Continuou com à vontade a falar-me:
– “São mesmo abençoados, vão pagar-me o meu almocinho”.
Afastou-se rapidamente antes que mais alguém desse pelo seu acto, oferecendo frutos à testemunha.
– “Amigo, quer que lhe dê meia dúzia, estão mesmo madurinhos?”
– “Obrigado, amigo, vou de viagem e não aguentavam” - respondi de forma cúmplice.
Afastei-me e desejei-lhe um bom almoço. Abençoados figos que a diocese despreza.
Sugestão musical: Fado do ladrão enamorado, da dupla Rui Veloso e Carlos Tê, aqui na versão de Pierre Aderne.