Morcela de arroz

Morcela de Arroz de Monte Real, Leiria. Foto de Filipe Gill

Quanto da paisagem de um lugar pode estar no sabor de um alimento, prato, ingrediente?

E de um enchido? 

Ocorreu-me esta dúvida ao olhar os campos do vale do Lis, a partir do promontório da Vila de Monte Real, de onde saem as morcelas de arroz, versão menos conhecida deste enchido característico da região de Leiria. 

Para os mais esquisitos, o melhor é provar sem pensar nos ingredientes. Apreciando o gosto, as resistências foram vencidas.  

Os enchidos vêm de um tempo de escassez em que era preciso conservar os alimentos e não desperdiçar absolutamente nada. Mudaram-se os tempos, mas ficou no gosto das gerações este paladar. 

Depois da prova, luz sobre os ingredientes. Gordura e sangue de porco, arroz, cebola, vinho, sal, e especiarias. O segredo, se é que existe, está na diversidade e qualidade das especiarias e nas mãos de quem as faz. O arroz introduz uma nota de suavidade e textura à versão mais conhecida da morcela tradicional. Cereal presente nas bacias dos rios da zona centro do país, Lis e sobretudo Mondego, enriquece o enchido dando-lhe consistência, valor nutricional e um sabor mais sofisticado.

Tradicionalmente, as morcelas eram feitas no rescaldo da matança, aproveitando vísceras e a tripa fresca do porco, confirmando o ditado de que do suíno nada se desperdiça. Agora comem-se com ananás dos Açores, compotas ou outras combinações mais ou menos inusitadas. Ou simplesmente assadas em cima de um pedaço de broa ou pão. Quase sempre significam um petisco de partilha e convívio, juntando amigos e conversa solta a pretexto de provar a iguaria. 

Na região de Leiria percebeu-se a importância deste produto e o seu potencial. Em 2010, seis produtores juntaram-se para certificar a Morcela de Arroz de Leiria e em 2022 foi editado o livro “À volta da morcela de arroz”. 

No promontório da Vila de Monte Real, Fátima Jaulino e a filha continuam a produzir este enchido de forma tradicional. A história, o cheiro, cores e sabores da paisagem do vale do rio Lis - que da salsicharia se avista - vão na massa da Morcela.  

Em qualquer parte do país ou do mundo em que é consumida, é a singularidade desta paisagem e o saber acumulado das suas gentes que a Morcela de Arroz transporta e dá a conhecer.   

Sugestão de leitura: 

À Volta da Morcela de Arroz de Leiria, de Laura Esperança,