O inconfundível aroma do bravo de Esmolfe

Foto de Luís Neves

As placas de madeira escritas em letras grandes e visíveis avisam o que está à venda, uma centena de metros antes do local. Bem a tempo de parar o carro em segurança junto às caixas de frutas e legumes, na beira da estrada, à porta da casa de José Santinho Rodrigues. Está tudo pensado ao milímetro para facilitar a vida ao automobilista comprador e ao produtor. 

Circulamos na icónica EN16, no trajecto entre Celorico da Beira e a Guarda. Naquele dia, havia abóboras, batatas, vinho, cebolas, couve, marmelos e maçãs. 

Um aroma peculiar espalhava-se, e não enganava. Perfume inconfundível, identificava imediatamente a espécie. Cheirava a bravo de Esmolfe (Malus domestica Borkh), uma variedade  de maçã (DOP) autóctone da Beira Alta e Cova da Beira, originária de uma aldeia do concelho de Penalva do Castelo chamada, precisamente, Esmolfe. Conhecida há mais de duzentos anos, cresce entre os 350 e 550 metros de altitude, identifica-se bem pela forma (oblonga-cónica) e tem uma polpa branca, macia, sumarenta e muito saborosa. Um fruto único.

José Santinho Rodrigues é um anfitrião perfeito, digno herdeiro de uma tradição bem portuguesa de vender produtos agrícolas de qualidade, por si produzidos, a quem passa de carro nas estradas. 

Foto de Filipe Gill

Assim que o carro pára, José aparece. Responde a todas as perguntas e fala carinhosamente dos produtos. Vende o que a época produz. À vista, dentro de um carrinho de mão, protegidas por um chapéu de sol, uma caixa de marmelos e outra de maçãs. Tem uma dúzia de árvores de bravo Esmolfe e meados de setembro é o tempo destas maçãs. Tivemos sorte, estavam no ponto. José nasceu há 81 anos, no Beco da Nogueirinha, junto ao Castelo de Celorico da Beira, mas é à beira da EN16,  antiga ligação entre Aveiro a Vilar Formoso, que vive e vende o que tira da terra. 

As placas de madeira - tiras amovíveis tal como eram as letras móveis nos quadros em que muitos de nós aprenderamos a ler - vão mudando conforme os dias e os produtos disponíveis. 

Frutas e legumes espalham-se ao longo do jardim defronte da casa. Debaixo de uma árvore, à sombra, abóboras de várias espécies, com metódico registo do peso e do valor na casca aguardam comprador. 

Foto de Luís Neves

Com a bagageira cheia de bravos Esmolfes, seguimos rumo à fronteira de Vilar Formoso, nosso destino. Despedimo-nos de José Santinho Rodrigues, com promessa de voltar em breve, para comprar mais coisas.    

No carro, perdura o aroma das maçãs (cada vez mais intenso) e a boa lembrança deste encontro, na mítica estrada “velha” que liga(va) o porto de Aveiro à fronteira de Vilar Formoso, lugar de chegada e partida. 

Dias depois e já em casa, em Lisboa, ao roer um bravo de Esmolfe vindo da terra de José, digo para mim próprio, como ouvia meu pai dizer: “os almocreves encontram-se na estrada”. E tinha toda a razão.   

Sugestão musical: Amor d’Água Fresca, Dina

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