Sopa da pedra
Luís tem uma pet shop, Rui trabalha num gabinete de arquitectura e António é chefe de compras da Câmara Municipal de Vila Franca de Xira. Une-os, além da amizade, o amor à gastronomia de Almeirim, cujo ex-libris é a famosa sopa da pedra.
O trio, Luís Manso, Rui Figueiredo e António Domingos faz parte da Confraria Gastronómica de Almeirim. Conhecemo-los na Escola Profissional de Hotelaria e Turismo de Lisboa (EPHTL), onde prepararam, com a ajuda dos alunos, a verdadeira sopa da pedra para um grupo de convivas almoçar.
Para nós, Gastronautas, foi uma oportunidade de meter o nariz na cozinha, território dos chefes Ana Canelas e Edson Oliveira, acompanhando a confeção da sopa e, ao mesmo tempo, conhecer esta Escola e a formação de profissionais na área da restauração, hotelaria e turismo lá ministrada.
A receita da sopa não tem nada que saber, mas demora três horas a cumprir. A base é água, azeite, alho, cebola e temperos, como banha, massa de pimentão feita por mãos sabedoras de Almeirim, pimentão doce em pó, pimenta, sal e coentros.
Depois de um estrugido, entra o feijão catarino, seco. Primeira estranheza para o comum dos mortais, o feijão não é demolhado.
Nesta segunda fase, além do feijão cozem os três enchidos chamados à liça - chouriço de carne, chouriço de sangue e farinheira - e o chispe. Ao fim da primeira hora, tiram-se os enchidos e a carne e é altura de acrescentar, na segunda hora, a batata cortada em pequenos cubos, sempre a mexer para “bater a batata e o feijão”. Assim que feijão e batata estão no ponto, mais ao menos ao fim da segunda hora, desliga-se o fogo e deixa-se a “natar” por uma hora. Neste repouso, cria-se uma fina camada cremosa na superfície, como se se tratasse da nata no leite. Está pronta a servir em conjunto com as carnes.
A sopa da pedra de almeirim é um prato certificado pela União Europeia e chamariz turístico. Só no centro de Almeirim há treze restaurantes a apresentá-la na ementa todos os dias do ano o que faz desta terra ribatejana um centro gastronómico de referência no país.
Luís, Rui e António defendem a sopa da pedra mas não só. A Confraria de que fazem parte nasceu em 2004 para promover a cultura gastronómica e os produtos endógenos da região, como por exemplo o melão e as caralhotas (pão característico da zona), ambos em processo de classificação também.
Enquanto esperamos que o repouso termine o processo de natar, os alunos da EPHTL deslizam discretos na sala servindo as entradas e as bebidas, sob a coordenação e olhar atento do chefe de sala e professor Gabínio Evaristo.
Luís, Rui e António contam-nos que a sopa da pedra começou a ser comercializada nos anos de 1950 no Restaurante Toucinho. Até então, alimentava quem trabalhava no campo, numa terra de muita agricultura e poucas poses.
Hoje em dia, por razões de higiene e segurança alimentar, a sopa deixou de incluir a pedra que lhe deu nome, num vitorioso golpe de storytelling e marketing baseado na lenda do Frade contada por Teófilo Braga.
Havemos de voltar à gastronomia de Almeirim. Ficou-nos no goto a Caldeirada de Bacalhau com enchidos e o bolo Finto que a Confraria luta para preservar e dar a conhecer. E sabe Deus o que mais virá das terras de Ribatejo…
Por agora, temos um fumegante prato de sopa da pedra à nossa frente.
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Sugestões de leitura:
Contos Tradicionaes do Povo Portuguez/O caldo de pedra, Teófilo Braga
Sopa da Pedra, Paula Rego e Cas Willing
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Sugestão musical: Sopa da Pedra, Herman José