A língua também se come 

Língua estufada com puré de batata é, para muitos, um petisco. Mas não é da língua de vaca que agora vamos falar, mas sim da portuguesa. Porque a língua portuguesa também se come. 

Quem não ouviu em criança “tens mais olhos do que barriga?”, em tom reprovador por ficar comida no prato depois de insistirmos que queríamos mais? É que os “olhos também comem”, sabemos de experiência própria. 

Em português há ditados, expressões e dizeres ligados à comida e à cultura gastronómica para todos os gostos e situações. 

Séculos de uso e evolução em camadas estratificadas criaram um sistema que não sendo absolutamente lógico permite o entendimento verbal e escrito na comunidade, e traduz e nomina o mundo que nos rodeia. A língua, mais ou menos literal, deixa espaço ao sonho e à imaginação. 

“Quem não arrisca não petisca”, e por isso arrisco, mesmo sabendo que não posso ter “sol na eira e chuva no nabal”. 

Neste momento intuo ouvir no leitor: “agora é que ´o caldo está entornado´ e vai desfiar-nos uma resma de ditados populares para escrever ´um naco´ de prosa e justificar o título do artigo”.

“Grão a grão encha a galinha o papo” e sigo teclando, letra a letra, a degustação desta língua, materna, “tirando nabos da púcara” do português. 

“Juntou-se a fome com a vontade de comer” e não podia “deixar em águas de bacalhau” um tema que ainda não “foi chão que deu uvas”.

“São favas contadas” podem dizer uns, achando que “é canja” escrever sobre isto. “Dá Deus nozes a quem não tem dentes”, pensarão outros encolhendo os ombros e seguindo em frente sem perder mais tempo com isto. 

Por mim, não vou dizer que estou a “alimentar um burro a pão de ló”, porque asnos não leem os Gastronautas e esta prosa não é um doce. 

Como “quem não é para comer não é para trabalhar”, vou agora deixar de vos aborrecer com a língua portuguesa e continuar a labuta noutros altares, a mesa, onde me espera um almoço fumegante de cozido com todos. As línguas ficam para outro dia. Como em tudo na vida, “nem sempre galinha, nem sempre sardinha”.  

Sugestão musical - Língua, Caetano Veloso

Festival Poesia à Mesa, em São João da Madeira

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