A vida de uma tábua de madeira 

Uma tábua de cozinha durava uma vida. 

Tanto quanto me lembro, cumpriam várias funções. Serviam de base ao corte de legumes ou recebiam fortes pancadas do martelo na tarefa de bater os bifes. As mais pequenas davam apoio aos queijos secos e as maiores permitiam amanhar o peixe. Eram todas diferentes.

Multiusos e de madeira “exótica”, como lhes ouvia chamar na infância, tinham as marcas do uso e do tempo e uma cor deslavada de tanta função. Lá em casa eram utensílio imprescindível e os vários tamanhos assim lhes ditava o destino. Volta e meia aparecia uma nova, vinda da “fábrica”, como chamávamos então à serração, para reforçar as necessidades.

A chegada do plástico, relegou-as para um certo esquecimento. Mais fáceis de lavar e higiénicas, argumentava-se, as tábuas de plástico destronaram as de madeira - mais pesadas - e chegaram a todos os lares num processo evolutivo que parecia irreversível. Vinham em cores diversas, alegrando o ambiente e, com a mesma rapidez que apareciam, eram substituídas por novas tonalidades. Assim se vestiam os novos tempos de consumismo.

Agora que o descartável está fora de moda e se tornou até insustentável, a madeira está de regresso às nossas vidas. E também às tábuas. 

Encontrámos na Gradirripas, num acerto de contas com o passado, as nossas tábuas Gastronautas. Um presente.

Entrar hoje na carpintaria da Gradirripas é reconhecer o cheiro da madeira no ar e trazer para o agora o mundo de memórias olfativas que nos construiu. Ao mesmo tempo, sentir nas mãos a textura fofa da serradura e valorizar um saber fazer que tem tanto de acumulado como de razão de ser para as novas gerações. 

Em parceria, desenvolvemos três tábuas maciças e seus suportes originais, em pinho, faia e carvalho. Utensílios a que podemos dar função na confecção de alimentos na cozinha, a servir refeições na mesa ou em modo volante, outras utilizações, até. 

Estas tábuas Gastronautas são peças saídas das mãos de artífices que encontram nas nossas casas morada e destaque, como se fossem uma obra de arte que dialoga de forma orgânica com o espaço mas assume função utilitária.

Uma tábua de cozinha Gastronautas dura uma vida, tal como as da “fábrica” da casa da minha infância que ainda existem. É uma alfaia que tratamos por tu, única, tal como as pessoas, com personalidade e identidade própria : os veios da madeira, a textura, a cor. Não há duas iguais.

E agora que elas estão por aí, fazendo caminho, que bom seria conseguir partilhar as memórias olfativas das minhas idas à “fábrica” e tudo o que elas inscrevem na vida destas novas tábuas. De todos os alimentos, práticas e confecções que aqueles pedaços de madeira têm na pele, nas marcas e na patine de cada vez que são manuseados ou admirados no local por nós escolhidos para os acolher em casa. 

Que alegria seria recebermos, um dia, notícia das histórias das tábuas Gastronautas que habitam nas vossas mãos.


Sugestão cultural: Objetos da Floresta, projeto de Andrea Bandoni

 

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