Camarinhas: um segredo bem guardado
Fruto apetecido das dunas, as Camarinhas são um dos segredos por desvendar da costa portuguesa. As Camarinheiras (Corema album), arbusto endémico do litoral da Península Ibérica que dão este fruto silvestre, desempenham um papel fundamental na fixação das areias e alimentaram muitas gerações.
O cheiro que os arbustos das Camarinhas espalham é único e caracteriza um dos mais singulares ecossistemas do país, o cordão dunar e a faixa litoral de Pinhal marítimo.
O fruto é inesperado e belo.
As pequenas bagas brancas, de sabor doce e ácido, decoram as ramagens verdes das Camarinheiras, como se fossem pérolas, nos meses de Agosto e Setembro. Este arbusto tem sexos separados, como os animais: os femininos produzem as bagas e os masculinos polinizam.
É fácil encontrá-las, por exemplo, na costa vicentina, na praia do Meco, entre a Nazaré e Aveiro, em sistemas dunares ou zonas de Pinhal onde chega o ar do mar. Basta estar atento, seguir o forte aroma que deixam no ar e caminhar com cuidado para não pisotear áreas frágeis e protegidas.
No Verão, nas idas e vindas da praia, lá vou às Camarinhas sentir o sabor doce e ácido de um fruto secreto e quase místico. Muitas vezes nas dunas de acesso à Praia do Samouco, entre São Pedro de Moel e a Praia da Vieira, um dos santuários. De cada vez, como duas ou três bagas e deixo as Camarinheiras com as suas pérolas para na próxima ida à praia as contemplar. E, mais importante, esperar que se reproduzam, continuem o seu importante papel de preservação de um ecossistema em risco. Todos os anos as promessas de fazer a Geleia ou o refresco ficam por cumprir. A receita é simples (fonte ver livro Cozinha da Figueira da Foz). Lavam-se as as camarinhas por bastantes águas até sair todos os ciscos e depois cozem-se em pouca água. Passam-se pelo passador de rede, esborrachando-as com uma colher de pau. Depois de medida a água resultante, junta-se o mesmo (ou um pouco menos) peso de acúcar. É excelente para acompanhar carne assada, por exemplo.
Na verdade, as Camarinheiras são protagonistas de uma das mais importantes obras de engenharia ambiental portuguesa.
Na sequência da estratégia secular de arborização da costa oeste, iniciada nos séculos XII e XIII, nos reinados de D. Sancho I e D. Dinis, como forma de impedir o avanço das areias, secar pântanos e permitir a agricultura, houve no século XIX uma campanha de intervenção humana na paisagem com a criação das dunas. À força de um enorme esforço humano, foram cravadas por homens estacas de madeira para fazer barreira às areias e criar as dunas de fronteira. Em simultâneo, mulheres faziam sementeiras de pinheiro bravo e plantavam nos intervalos madorneiras, tojos, giestas, sargaços e camarinheiras, espécies arbustivas resistentes. Este processo feito à mão e com grande sacrifício, permitiu estabilizar as areias móveis e estéreis do litoral e criar uma barreira aos ventos. E assim nasceu uma paisagem fundamental para a preservação da costa.
Longe vão os tempos (meados do século XX), em que mulheres vendiam Camarinhas aos veraneantes, pesadas em medidas de madeira, tal como faziam com tremoços ou pevides como forma de compor o seu magro orçamento. Na tradição oral eram as lagrimas da Rainha Santa Isabel, na realidade foram um fruto usado na alimentação desde o Neolítico, os Gregos utilizavam as suas ramagens como escovas e na Idade Média era consumida como planta medicinal nas viagens de barco para baixar a febre e combater o escorbuto.
Vários centros de investigação em Portugal estão a estudar as suas características nutricionais e a viabilidade de cultivo.