Onde é o mercado? 

Visitar os mercados é uma das melhores maneiras de conhecer uma terra. País fora, resistem praças com produtores locais, sazonais. Gente que ainda trabalha a terra e produz frutas e legumes de qualidade e os vende diretamente ao consumidor. 

Depois de entrar numa igreja, museu, restaurantes e cafés, deambular pelas ruas e conversar com transeuntes, lá pergunto, “onde é o mercado?”. Sigo as indicações.

Dou a volta por todas as bancas e secções, do peixe aos queijos, se os houver, e vejo gestos e rostos dos vendedores, a forma como falam com os clientes e a sua interação. Muitas vezes até,  compro a quem está sozinho sem clientes. Atraio-me por um detalhe ou um sinal que corresponda a autenticidade. 

(Há muito ultrapassei o trauma de infância das idas aos sábados de manhã ao dentista seguidas do Mercado de Leiria. Agora agradeço aos meus pais por ter dentes saudáveis e gostar de mercados)

Mais do que pelos produtos, escolho a banca pelas pessoas. A minha estratégia é inspirada na sabedoria popular, ao estilo de António Aleixo. 

Não faço amigos à toa/Sempre temendo alguma perigo/Primeiro escolho a pessoa/Depois faço o amigo (*)

Às vezes falha, mas quase sempre acerto e trago produtos regionais, a melhor forma de os preparar e cozinhar, receitas.  

Já que revelei a estratégia Aleixo, começo por Loulé. Recentemente comprei milho para Xerém a uma senhora de muita idade de que ainda guardo a alegria com que me explicou como cozinhá-lo, tal qual a sua avó. 

Assim tem acontecido por todo o país. Em Olhão vale a pena perder tempo no mercado do peixe e conhecer o Litão. O peixe ali é todo fresco e a preço justo. No Mercado do Livramento, em Setúbal, aprendi a ir às bancas dos pequenos produtores locais, as que estão afastadas do centro da praça e viradas para fora, com menos destaque do que as dos vendedores que compram nos grandes mercados abasteceres. Trouxe batata doce produzida nas areias da Comporta, enquanto não é substituída por mais uma casa de luxo. 

Depois há pessoas inesquecíveis de quem nos tornamos amigos, como a Rosa Martins (Gagarine), a alma do mercado de Santiago do Cacém e a Maria Teresa Pinto, do Bolhão, com o seu brinco de cereja de Resende.

Nas Caldas da Rainha, o mercado da fruta na praça da República, ao ar livre, também é uma perdição. Ali escoam frutas e legumes produtores da região. Pera Rocha, Maçã de Alcobaça, Morangos de Óbidos, legumes viçosos regados pela humidade do oeste… Podia continuar país fora, falando de cada lugar a partir dos meus encontros e memórias nos mercados. Da descoberta de São Miguel saindo do Mercado da Graça ou de como se deve fugir a sete pés do turistificado Mercado dos Lavradores, no Funchal…

Sempre que compro leguminosas em qualquer geografia recordo a lição que aprendi com a Maria Alice no Mercado de São Pedro do Sul e o bem que que me soube, durante semanas, cozinhar os feijões por ela cultivados com amor e carinho. Canário, bonitão, olho preto, cor de cana, encarnado, manteiga… Isso serão contas para outro rosário!

E quando não saio de Lisboa, rumo a pé ao mercado de Alvalade, onde tenho o meu fornecedor de batatas de Trancoso. Ou a querida  Mercês, de Sobral da Adiça (margem esquerda do Guadiana), que conheci com o “método Aleixo”, no Mercado Biológico do Campo Pequeno e que tão bem nos recebeu na sua terra.    

Nesses dias, vem o país a Lisboa, se não vou eu país fora. 

Sugestão cultural:

Este Livro Que Vos Deixo..., António Aleixo, (1969). Edição da Câmara Municipal de Loulé.

(*) Por tradição oral, esta quadra é atribuída a António Aleixo. No entanto, não consegui confirmar a autoria.

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