O nome da terra
Muitas iguarias são identificadas pela geografia. Na comida como na vida precisamos de chão. Terra. Lugar.
O nome de um prato ou receita é muitas vezes nomeado pela cidade ou região onde talvez tenha surgido. Leitão à Bairrada, Rojões à Minhota, Carne de Porco à Alentejana, Vitela à Lafões… Até ao tão aclamado Cozido à Portuguesa, com honra de prato-nação, a lista não tem fim. Ficamo-nos pelas carnes, como exemplo serve.
Também símbolos - por exemplo o galo de Barcelos - têm no apelido uma terra e extravasam-na.
Mas vamos em frente. A partir da mesa, sigamos em direção ao lugar, traçando o nosso mapa.
Os lugares - os nossos - estão connosco, mesmo longe, quando estamos na cozinha ou à volta do altar onde à sua volta comemos e vivemos. Um cheiro e um sabor têm lastro temporal, duram uma vida e fazem-nos lembrar o que de mais íntimo e feliz existe na memória. Longínqua ou recente.
O mapa das nossas memórias também é gastronómico. A comida é caminho e rota da viagem, alimento da História, cúmplice de todas as horas e encontros. Parceira de momentos bons e de momentos maus. Visita de casa, companheira de descobertas de outros lugares e novos amigos. Mapa gastronómico que define características, vontades, personalidade, um destino.
Se “a comida realça a realidade da ficção”, como tão bem conta Alberto Manguel, também transcende, por isso, o real e existe nos lugares da imaginação.
As receitas dos lugares imaginários de Manguel só podem significar a libertação, a alegria de descobrir que a comida é mais do que um alimento físico e mera condição de sobrevivência. Com o que isso significa de consciência da natureza humana e de fermento à criatividade.
Assim escreve Alberto Manguel, no Livro de Receitas dos Lugares Imaginários:
“(…) toda a comida (diz-nos a literatura) é, na sua essência, uma prova da nossa humanidade comum: pão para nos lembrarmos da terra de que todos viemos e sal para nos lembrarmos da terra a que todos regressaremos.”
Continuemos a viagem!
Sugestão de leitura: Livro de Receitas dos Lugares Imaginários, de Alberto Manguel, Tinta da China
Sugestão musical: Viagens, de Pedro Abrunhosa