Sopa? Sim, de chocolate…
As crianças não gostam de sopa, diz-se. É um axioma universal a que a Mafaldinha, de Quino, deu força e voz, como se de um veneno se tratasse.
À resistência das crianças opôs-se, sempre, a teimosia dos pais. “Faz bem!”. Vai daí a imaginação engendrou mil e uma estratégias, tantas quantas as receitas de sopa, características de cada casa.
Um clássico na minha infância, era a sopa de chocolate. Não é que soubesse exactamente a chocolate, mas a cor e o sabor aveludado ajudaram a crença do argumento vindo já da casa da tia Glória.
A sopa de chocolate é feita com feijão encarnado, demolhado e cozido. Leva pedacinhos de cenoura e um nabo. Estes ingredientes desfeitos em puré acastanhado são o caldo perfeito para ripas de couve portuguesa ou esparguete. Salivo só de pensar, porque é das sopas que ainda não ouso fazer com medo de errar o alvo e desfazer o mito.
Em Portugal, a sopa é uma comida de conforto e há tantas variedades quantas a imaginação quiser e os ingredientes instigarem. De cenoura, abóbora, cebola, feijão verde, grão. Os famosos caldo verde e sopa da pedra. As pouco conhecidas sopas de trigo, da Madeira, beldroegas e urtigas… Agrião, de peixe ou marisco são muito apreciadas. Camponesas ou mais sofisticadas, de legumes da horta, “sopas à lavrador” ou cremes mais requintados e sem entulho. É um sem fim a que não pode faltar a canja da galinha, um clássico para curar maleitas ou a sopa maluca da ti Maria do Rosário, lá para o sudoeste alentejano. Curiosos? Perguntem ao Filipe Gill…
Uma sopa é meio sustento, no inverno aconchega o estômago e no verão hidrata, mesmo não sendo gaspacho (ou caspacho como lhe chama a Mercês).
Quem não passou pela sopa de chocolate, ou afins (a versão dos espinafres do Popeye também fez o seu caminho) mais tarde ou mais cedo aprende a valorizar e saborear uma sopa quente, tantas vezes refeição completa. O percurso é idêntico a todos, aprende-se a gostar e saborear, quanto mais a idade avança mais sopa apetece. Está lá tudo o que é preciso, fibra, vitaminas, sais minerais e um paladar que é mais do que a junção dos ingredientes.
Assim o diz, por exemplo, José Cid. Aos 81 anos adora sopa. Explicou-me recentemente quando lhe perguntei como justificava a presença de tantos jovens nos seus concertos que a culpada era a dita… “Quando os filhos não queriam comer a sopa os pais obrigavam-nos a ouvir canções do José Cid. Não tem meio termo, ou ouves José Cid ou comes a sopa. As crianças detestavam sopa, eu hoje adoro sopa”.
E por falar em sopa, está na hora do jantar. Tenho uma de grelos fumegante à espera em cima da mesa. O Spotify espalha os acordes de “10.000 Anos Depois Entre Vênus e Marte”, rock sinfónico de José Cid, de 1978, cantado em português. Entre uma colherada e uma malha de sintetizador, a sopa sabe quem nem ginjas.
Sugestão musical: “10.000 anos depois entre Vénus e Marte”, José Cid, 1978